terça-feira, 24 de abril de 2018



...do azul ao verde....

Gosto do mar...sempre gostei muito. Nasci numa cidade do interior onde mar era uma coisa que só se via na televisão. Os meus pais nunca tiveram carro, a familia era grande e as deslocações quase impossiveis...

Então ainda esperei uns anos até ver o elemento azul...enorme...lindo.

 Não consigo precisar em termos de tempo, mas a recordação  mais antiga é a de umas férias na Praia da Barra. Tanto que ansiávamos as férias, e nessa mesma altura eu e as mais novas apanhámos papeira... Lá fomos nós ...com papeira e tudo... A mãe não gostava do mar, dizia que lhe provocava tristeza...nunca vestiu um fato de banho...mas ia connosco e o farnel para uma tarde na praia. Nem lá ela descansava..."oh miúda, põe o chapéu...não atires areia à tua irmã"....a praia...o mar...

Depois viemos viver para uma cidade junto ao mar...mas não era assim tão "junto"...tinhamos que ir de carro...que não tinhamos. Então de vez em quando "umas almas caridosas" levavam as miúdas a ver o mar, ou algo parecido. A estrada ladeada de montes de sal fazia adivinhar o azul , grande , imenso, que íamos ver...Mas a grande parte das vezes nem saíamos do carro...enquanto os nossos "benfeitores" liam o jornal, até decidirem voltar pra casa...e pronto...já tinhamos visto o mar...ou pelo menos cheirado a maresia.

Muito mais tarde voltámos a viver junto ao mar...aí já tinha a minha casa e carro e podíamos ver o mar tantas vezes quantas desejássemos. Logo de manhã...ainda a praia estava deserta e nós já lá estávamos...as gaivotas, essas tontas, andavam pelo areal e nem se assustavam porque tudo aquilo era delas. Ou então ao final da tarde...lá voltavam as gaivotas para apanhar as migalhinhas deixadas pelos lanches dos veraneantes. Habituámos os filhos a verem o azul como a côr mais amiga...a deixarem se mergulhar na àgua...a cheirar aquele cheiro salgado...a não terem medo das gaivotas.

As voltas da vida trouxeram nos até ao verde...não sem muito protesto, porque o azul é que era lindo, majestoso.

 E aos poucos aprendemos a ver o verde como uma côr calma e serena...afinal havia tantos tons de verde, tantas formas...e havia pássaros, daqueles que chilreiam tão afinados...e havia silêncios do tamanho do mundo...ou sons de cascatas a correr,umas vezes suavemente, outras vezes na fúria dos invernos rigorosos. E havia ruínas de casas, outrora habitadas por famílias que viviam  do trabalhar da terra, do leite das cabrinhas...histórias sem fim de gentes que não conheci e que conseguia imaginar nas suas lides...o resto de uma janela...de uma lareira...quantas neves conheceram...

...tudo tão diferente...tudo tão indispensável...

Aprendi a ser grata pelo lugar onde estou, mas também pelos lugares onde passei...De que vale ver a vida como uma viagem, se não apreciarmos a paisagem ? Cada salpico de uma onda, cada estalar de um ramo que pisámos, o silêncio...o ruído...não conseguíamos viver sem isto, pois não?

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