quarta-feira, 15 de agosto de 2018




Os  (D) eficientes 




...acho que nunca falei disto...pelo menos tão especificamente. Foi um assunto presente na minha vida...e por isso, nunca foi estranho.

A minha irmã ficou com sequelas de poliomelite...nunca andou como as pessoas sem limites físicos...Lembro me desde sempre de a ver andar agarrada ao braço de uma de nós...depois com uma canadiana, depois com duas, até que a cadeira de rodas se tornou obrigatória e indispensável.

Não me recordo de a ver como uma pessoa limitada...antes pelo contrário. Quando a mãe adoecia, ou tinha que sair, era ela a cozinhar e a tomar conta de nós...e saía-se sempre bem.

Numas férias na praia da Barra, quando as dunas ainda eram bem altas, lembro me de a ver a subir aqueles montes de areia, pelas suas próprias pernas...a ir à agua do mar connosco...Ela fez viagens de avião...de autocarro a longas distâncias...subiu a Torre dos Clérigos...sei lá. Enquanto o corpo o permitiu, sempre fez mais do que algumas pessoas sem problemas nenhuns.

Agora, quando saio com ela , temos que levar a cadeira de rodas, e para mim isso não é problema nenhum. Infelizmente para muita gente ainda é um problema grande.

Muitas vezes , deparamos com tantos obstáculos , que apetece perguntar se as pessoas com a mobilidade reduzida não têm direito à vida. 

Aqui, na santa terrinha até se aposta um bocadinho nesta coisa das acessibilidades, ainda que às vezes dá vontade de rir (sem ter graça) ao vermos locais ,ditos acessiveis, em que têm uma rampa dentro do estabelecimento, cujo acesso é um degrau alto...ou um prédio que também tem uma rampa, mas que quase não se consegue abrir a porta para chegar à "dita cuja".  Uma vez fomos a uma casa de banho de um estabelecimento, e eu tive que ficar de plantão no corredor de acesso às casas de banho, porque a casa de banho para "deficientes" era tão boa que não cabia lá a cadeira de rodas e fechar a porta ao mesmo tempo.

Questiono-me tantas vezes ..."Quem são os deficientes afinal ? "

Na minha vida a deficiência continuou a estar presente...A minha filha  , que tem algumas limitações, foi também um desafio para nós. Ninguém está pronto para uma "surpresa"destas. Mas também tivemos que arranjar as "rampas de acesso " para a sua vida, colocá-las em locais estratégicos , para que ela pudesse sentir que este mundo também era dela.

Às vezes penso que se tivesse que depender de alguém para me ajudar a tomar banho num dia de calor, ou depender de quem me cortasse as unhas , ou me ajudasse a ir de um local para o outro, como é que seria. 

As batalhas que tivemos que travar pela aceitação de um ser um bocadinho diferente do normal, nunca foi fácil. Tentar que não se sentisse rejeitada por ninguém brincar com ela, por ninguém lhe telefonar, ou convidar a sair...porque é desajeitada, ou lenta, ou porque não tem muita conversa, ou não sabe falar de trivialidades...é uma tarefa quase diária.

E é aqui que os (d)eficientes mostram de que fibra são feitos, quando conseguem viver sem essas pequenas coisas , e aprendem a conviver com a indiferença, e com a "pena" que alguns sentem quando os vêem.

"Penas têm as galinhas"..já dizia a minha mãe...e eles não precisam de nada disso.

Não pensar em convidar a sair uma pessoa d(eficiente) só porque anda numa cadeira, ou porque não veste ou anda como os demais, é uma indiferença que chega até a doer me quando penso nisso. E é aqui que vocês podem pensar que falo por causa dos casos que me são próximos...Pensem o que quiserem...Falo com conhecimento de causa...e por causa de tanta gente que conheço e que ficam no seu canto porque não quererem atrapalhar a vida dos "so-called-friends".

E se fosse eu ? E se fosse um de vocês ? Agora ,que lêem o que escrevo, e que podem até discordar de mim, imaginem que precisam de um copo de àgua, mas a cozinha fica longe, a torneira é muito alta...têm que pedir a alguém...mas ninguém está perto...

Valha-lhes a sua eficiência em contornar obstáculos, mesmo quando ninguém está perto para ajudar.