quinta-feira, 27 de dezembro de 2018






Natais...natais

De certeza que os meus irmãos se recordam de muitos mais pormenores ...eu só guardei alguns.

Em criança, não sei como eram... tenho ideias muito vagas. Lembro me da correria que havia lá por casa no dia 24, com a mãe aos gritos para toda a gente se levantar porque ainda tinha que bater as filhoses. As filhoses eram batidas num alguidar de barro, que era comprado todos os anos porque tinha que ser novo...levava abobora...farinha , fermento de padeiro...aguardente e sei lá mais o quê. A mãe batia aquilo com uma força descomunal, enquanto uma das minhas irmãs segurava o alguidar. Depois punha-se o "sagrado" alguidar numa das camas, rodeado de cobertores e saco de agua quente, para a massa não arrefecer e levedar. Se a massa tivesse o "azar" de não ficar nas condições que a mãe queria, seria o azar também para nós, porque a mãe ficava com um mau humor daqueles à moda dela.

O pai, sabe se lá porquê, só fazia a arvore de Natal nesse dia também. Então o stress era um elemento comum tanto na sala como na cozinha...enquanto nós os filhos, nos desdobravamos a fazer tudo o que era mandado para que não houvesse por ali más disposições.  O pai sempre arranjava um pinheiro , natural, nada de plásticos que não cheiram a Natal, e tentava numa luta titânica que ele ficasse fixo a uma tábua, que por sua vez ficava fixo a uma caixa de madeira que serviria de base. A bricolage não era de todo o forte do meu pai...e marteladas e pregos era o que mais abundava naquele dia.

Por fim a arvore lá ficava fixa e se enfeitava o melhor que se podia...lembro me de uma fita com umas lanternas coloridas, que eu adorava, e que se espalhavam por toda a arvore.

As famílias grandes sabem o que é uma boa barafunda...em especial quando  a casa é antiga e a cozinha fica numa ponta e a sala de jantar noutra, e constantemente tropeçávamos uns nos outros no longo corredor entre a sala e a cozinha.

Depois do bacalhau a,arrumava se a cozinha, mas pensava se logo no chocolate quente. Lá vinham as duas grandes tablettes Belleville,,,,minuciosamente raspadas com uma faca, que toda a gente apreciava. Pergunto me agora porque é que tinhamos que raspar a tablette com uma faca, e não a partir aos pedaços como agora fazemos. Mas as decisões estão tomadas, as tradições não se quebram e lá está o famoso chocolate...

À meia noite íamos para o quarto das mais velhas e punhamo-nos todos ao redor da cama, onde haviam montes de presentes com os nomes de cada um...as doze badaladas...os beijinhos de feliz Natal e a abertura daqueles embrulhos todos...(que só surgiram quando as mais velhas começaram a trabalhar)

Não me lembro de muito mais...lembro me que muitas vezes tínhamos pessoas de fora da família que nos honravam com a sua presença...e que nós acolhíamos porque naquela noite ninguém deveria estar só.

Os tempos foram mudando...tal como nós...já não somos os miúdos a contar minutos para que a meia noite chegue depressa. A minha arvore já é artificial há uns anos, e raramente se decora da mesma maneira de ano pra ano. As filhoses, não as sei fazer...a irmã que segurava o alguidar é que ficou com toda a sabedoria dos fritos de Natal...eu não.

Ainda fazemos o chocolate quente, mas não raspamos o chocolate, partimos aos bocadinhos...e resulta muito bem. Os meninos cresceram e já são homens e mulheres com sonhos bem definidos, que chegam de toda a parte do mundo para onde voaram quando lhes demos as suas asas...

Falta nos a teimosia do pai a martelar a arvore....a impaciência da mãe a bater as filhoses...

Então vamos criando outras recordações, que queremos que os nossos filhos guardem...que se lembrem de nós...que nos amem mesmo quando a distância já se mede em muito mais que kilometros...

O Natal é o regressar a casa...é o abraço que demorou um ano a dar...é o cantarolar as músicas de há anos...é pensar nas prendas que gostaríamos de dar...nas que conseguimos dar...porque no Natal todos queremos dar alguma coisa de coração...uma palavra , um sorriso, o trocar de memórias...

Que haja muitos mais Natais...que o cheiro do açucar e canela continue a encher a minha casa...que os filhos possam regressar ao ninho...que mais pessoas possam não ficar sózinhas...ao menos por uma noite...

Feliz Natal...já nos foi dado tudo.



sexta-feira, 9 de novembro de 2018








O PARTO



...estava um calor daqueles que nem dá para dormir a sério..."É melhor levantar-me...também já nem tenho posição para estar..." ...e preguiçosamente levantou se da cama e dirigiu-se à casa de banho. " Bolas...já nem consigo ver os pés...um duche, sim , um duche vai dar me algum ânimozinho extra..."
Na cama ele perguntou qualquer coisa do tipo "Precisas de alguma coisa...", ao que ela respondeu "Não...deixa te estar...ainda me mexo. "

Enquanto a àgua corria pelo corpo , ela pensava nas tarefas do dia...no que ainda tinha que fazer antes que o bébé decidisse chegar..."Já falta tão pouco...acho que ainda me falta qualquer coisa na mala do hospital. Não faz mal, vou à farmácia aqui em baixo...assim que tomar o pequeno almoço. Que fome..."

Vestiu um vestidinho leve, que o calor não permitia mais nada...e desceu as escadas. "Vou comprar um pão fresco e alguma fruta. Vou à farmácia depois".  Na mercearia em frente da casa estavam lá as vizinhas do costume..."Então? Está quase...que barriguinha jeitosa...e taõ descida..." Ela sorria e acenava em concordância.  Não chegou a escolher as maçãs nem a comprar o pão....sentiu se muito molhada e uma sensação meia desconfortável que escorria por ela abaixo.   Pousou o saco e disse à Dona Maria "Desculpe, tenho que voltar depois."

Subiu as escadas degrau a degrau lentamente..."Acho que vou molhar isto tudo....." e entrou em casa..."Amor...acho que é melhor despachares-te...temos que ir embora....."  Ele ainda nem estava bem acordado ...mas apareceu junto dela , meio despenteado, com os olhos esbugalhados "Ainda tenho tempo de tomar um duche ?"...ela sorriu "Claro que tens, vai lá...."

Apesar de o hospital ser muito perto, parece que a viagem era longa...ele conduzia com cuidado para não haver muitos solavancos...e ela ria...podes ter calma, não faz mal uns saltinhos...."

Que pena ter sido em Agosto....metade do pessoal do hospital lembrou se de estar de férias e o médico de serviço, que não devia nada à simpatia, debitava informação que ela já sabia de cor....
lá colocou a mão e disse "Este bébé está sentado...temos que fazer cesariana...."...Nessa altura já ela soprava as velas todas que se lembrou...e aquelas que nem se lembrava. Meteram numa sala...sózinha...e a enfermeira disse que já voltava. Pois não voltou...só muito tempo depois apareceu...já ela não tinha "velas para soprar" e a criança continuava a descer e a tentar sair. "Ahhh, disse a enfermeira...temos que ir já para o bloco."

"Que bom" pensou ela " finalmente vão fazer alguma coisa de útil"...Mas a viagem até ao bloco teve as suas peripécias...a maca não podia sair daquele piso, e o pobre do funcionário que a empurrava disse lhe..."Veja lá quando consegue passar para a outra maca...aproveite em quanto a dôr vem e não vem..." E num intervalo entre contrações lá ela trocou de maca... "Aiiii...isto está a doer muito...mas eu não sou de fazer fitas....aguenta, aguenta...está quase...."

"Boa!! Cheguei ao bloco..." mas de repente apercebeu se da conversa entre enfermeiros..."Coitada" diziam eles " tem que esperar, o anestesista foi tomar café!!"   "não, não, não..." pensou ela "esperar o quê...a bébé quer sair...não pode ser...isto não me está a acontecer..."  Ela não sabia bem quanto tempo estava a passar, mas entretanto o anestesista dignou se a aparecer e lá começou a contagem....10...9....8...zzzzzzzz

Acordou num quarto a meia luz...ninguém por perto...sentia se dorida, desorientada...sentia adesivos na barriga que estava mais pequena...não viu nenhum berço, não ouvia bébés a chorar...Por momentos pensou que estava noutro filme...a sonhar talvez. Apareceu alguém a quem perguntou :"A minha filha? Está tudo bem com a bébé? Não a posso ver ? " Já a vamos buscar"...e mais nada...Nessa altura pensou tudo..."Mas já a vão buscar?? Mas o que se passou com ela ? Estão a esconder-me alguma coisa??" O que tinha começado como um sonho bom estava a tornar se numa espécie de pesadelo, de uma outra realidade... "Mas o que aconteceu?"

Ainda decorreu muito tempo até que trouxessem o bébé...pequenina...redondinha (mesmo redondinha...diziam ser da posição pélvica, mas que os ossos retomariam o seu jeito normal)...linda...linda...Percebeu nesse instante que a sua vida nunca mais seria a mesma...Aquela pessoinha estava ali...seria sempre uma parte dela. "Meu Deus" pensou "como é que consegui esta obra de arte? Tanta perfeição...dez dedinhos nas mãos...dez dedinhos nos pés...que boquinha linda."
Sentia-se cansada...mas a enfermeira colocou o bébé ao peito...e ela começou logo a mamar e a mamar bem. "Que bom...é minha filha..."

Passadas algumas horas a enfermeira disse lhe que tinha que se levantar e ir para o quarto da enfermaria. "Tudo bem...vou tentar. Não deve ser muito dificil. Mas não me trazem uma camisa de noite ? Estou pra aqui só eu e as ligaduras. Este hospital é estranho...." A enfermeira disse lhe que se enrolasse num lençol, porque o quarto era já ali...e podia também segurar o suporte com o soro...e tinha que ir a andar bem e o mais direita possivel. Ela achou que era alguma piada. Como é que se podia ir direita quando os adesivos estavam ali a apertá-la...e com uma mão tinha que segurar o lençol , e na outra mão o suporte do soro.

Também aqui pensou que estava nalgum filme estranho...quando deu por si estava no corredor das consultas, a ir com a enfermeira ao lado para a tal enfermaria, qual Estatua da Liberdade...a passar no meio dos outros doentes. "Eu devo estar a delirar...foi da anestesia...isto não está a acontecer..."  Mas estava e foi a viagem mais penosa que fez por aqueles corredores.

3 dias foi a duração da estadia...tudo o que  podia acontecer de errado aconteceu...mas saiu de lá bem mais rica do que quando entrou. A novidade da maternidade foi alguma coisa fascinante e terrivel. As dores no peito...a cicatriz que não fechou...e a bébé que chorava a plenos pulmões...dia e noite. Ela e ele a aprender intensivamente o que fazer com aquele ser tão pequenino, mas pelo qual daríam a vida se necessário. As lágrimas choradas ...os sorrisos que se deram ...as descobertas de cada dia tornaram o que já era lindo numa coisa muito melhor.

Tudo isto é ficção...a realidade doeu muito mais.


sábado, 27 de outubro de 2018







CHEIROS E RECORDAÇÕES....


A mãe trazia sempre na mala de mão um lencinho de pano. Salpicava-o sempre com umas gotinhas do seu perfume...e tudo o que saía daquela mala cheirava tão bem. Não sei como se foi lembrar de semelhante coisa...nunca vi ninguém a fazer isso, nem voltei a ver...o que é certo é que aquele cheirinho trazia conforto. Quando ela foi embora, eu fiquei com a mala. Ainda lá tinha um lencinho que cheirava a mãe...e que guardei vários anos ( e onde às vezes ia buscar um colo) até que perdeu o cheiro. Aquilo que era o conforto , passou a ser somente uma coisa que lhe tinha pertencido, como tantas outras.

O meu bouquet de casamento, feito pelas mãos habilidosas da Maria Manta, cheirava tão, mas tão bem. Aquelas rosas amarelas tinham um cheiro inconfundível. Guardei o bouquet religiosamente...mas devo ter feito qualquer coisa mal, porque se a intenção era secá-lo e conservá-lo bonito, isso não aconteceu. Perdeu o cheiro, e ficou feio...e não quis guardar aquela "coisa" que me lembrava por um lado o meu dia feliz, mas que, agora naquele estado, não me acrescentava felicidade nenhuma. 

Há dias deram me um bolo...uma especialidade que era perfumada com flor de laranjeira. Quando abri a caixa voltei à escola primária ....tão bom ...A mãe dava me uma colher de sopa de àgua de flôr de laranjeira sempre que eu ia ter uma prova na escola. Vinha num frasco castanho de vidro, que eu comprava na farmácia do bairro...a farmácia do pai do Mário Viegas (que eu nem sabia que havia de ficar famoso ). Era suposto servir de calmante para o nervosismo de ir fazer uma prova...não sei se funcionava mesmo, ou nem fazia nada...mas só o tomar fazia efeito . Que recordação tão boa...que cheiro tão agradável.

A roupa que a mãe lavava no tanque tinha sempre um cheirinho tão bom. Não havia cá amaciadores de roupa...havia sabão Clarim (e às vezes Migo) e a mãe esfregava a roupa na pedra do tanque e lavava e lavava e a roupa ficava tão cheirosa...

Mais ou menos em Setembro , a mãe fazia doce de tomate. Naquela casa não havia canto nenhum em que o cheiro do doce da mãe não penetrasse. Era sempre um dia inteiro com a mãe à volta do tacho, que salpicava tudo e fazia "bolhas" lá dentro...como se de uma poção mágica se tratasse. E devia ser mesmo mágica, porque desaparecia em três tempos a enorme quantidade de doce que a mãe fazia. Ainda hoje quando faço o famoso doce , a minha casa cheira à casa da mãe...a saudade é uma saudade doce, com um travo a pau de canela.

O mar...por mais que tenham opiniões diferentes, para mim o mar tem o cheiro mais agradável e mais refrescante que eu conheço. Lembra-me dias de sol e brincadeiras na areia...lembra me os meninos a chapinharem no mar...lembra me passeios românticos...lembra me que há sempre algo novo que pode acontecer...uma nova onda, uma nova maré. O mar traz me saudades boas, com cheiro a maresia.

O homem já inventou tudo...menos como ter o cheiro daqueles com quem falamos à distância...Ouvimos a voz...vemos o olhar...mas o cheiro...Por isso ,de vez em quando, cheiro o perfume de quem não está comigo. Fecho os olhos, e ele está mesmo ali...

Os cheiros, os aromas que cada um tem e escolhe, fazem parte das nossas recordações...e podem ser tão boas.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018










Este post é pura ficção....




Querida Cookie

Já não falamos há uns tempos...a vida tem sido muito a correr, sem dar espaço para fazer aquilo que realmente se gosta e quer.

Por aqui o calor tem sido imenso...daquele que,tu sabes, me torna impaciente e irritada...

A vontadinha era meter me debaixo de um chuveiro e só sair de lá quando o calor abrandasse. Também me contentava poder ir a uma esplanada, aquela que nós gostávamos, de onde se podia ver o farol e as gaivotas numa gritaria...e em dias de vento ainda apanhavas uns salpicos com sabor a maresia. O crepe com gelado continua a ser magnifico...e devias experimentar aquele sabor novo...sim, o caramelo salgado...olha que ias gostar.

Os miudos voltaram às suas rotinas e fiquei com algum tempo livre. Bem tento fazer os meus passeios pela serra, mas este calor impede-me , porque não consigo ir muito cedo. Mas quando vou consigo sentar me um bocadinho lá em baixo a ouvir a àgua correr e na sombra chego até a sentir um fresquinho que me refresca a alma. São aqueles momentos em que me permito ter boas recordações...(e que é a vida sem isso)..os miúdos pequenos... os planos que viriam a ser adiados vezes sem conta...e as nossas conversas ao telefone...

 Se soubesses como me faz falta ouvir a tua voz...mas está bem, eu entendo, a rede aí não é a melhor...e também isso para nós são "trocos"...nunca precisámos de muita "presença física" para ter a presença viva uma da outra. Eu nem acredito que se passaram uns 30 e muitos anos desde a nossa primeira conversa...passou rápido, não achas ?

 Nesta terra continua tudo assim estranho...as noticias dos jornais não têm sido simpáticas...agora parece que toda a gente está metida em esquemas de corrupção...pessoas que fazem questão de arruinar a vida de outros e destruirem o que foi construido em anos...Não entendo o ser humano, juro que não. Até aqui na santa terrinha, ouvi há pouco de alguém que pretendeu, só porque sim, fazer a outra pessoa perder o emprego. Não ganhou nada com isso, antes pelo contrário, mas não entendo porque as pessoas são más. Talvez seja por isso que a minha companhia continua a ser a minha preferida. Nos bons e maus momentos, eu estou cá para mim....tolice, não é ?   

Seja como fôr , a vida continua...para alguns, pelo menos. O acordar a cada dia e o procurar de objectivo para as próximas 24 horas...sim, porque depois teremos que pensar em mais 24 horas...e sinceramente, não me apetece pensar em mais que isso...mas cansa me. Se calhar entendi finalmente que não fiz o que devia com a minha vida...e que não vou ter uma segunda oportunidade. Isso deixa me triste...muito triste. Porque agora ,mesmo que quisesse fazer algo diferente,já me dói tudo o que são juntas e medulas e o sofá torna se cada vez mais apelativo.

Mas,olha, tem surgido umas series giras na televisão, daquelas britânicas que eu gosto imenso e durante aqueles minutos eu sou outra pessoa...e viajo e vejo lugares...e sou feliz.  Penso que quando os sonhos desaparecem deixamos de ser felizes, não achas ? Hoje sonhei que me tinham oferecido algo que eu queria muito...mas o sonho desapareceu e pronto...já tinha acordado.

E...pronto...já se me acabou o "tempo de antena" e agora tenho que partir para as tarefas que me esperam. 

Espero que estejas a gostar de estar aí...deve ser agradável. Espera por mim, no lugar do costume, que eu hei de ir aí ter contigo...e vou te levar uma lata de chá (vês que não me esqueci)...muito agradável ,que eu descobri numa loja da avenida. Vais gostar de certeza...e pomos a "escrita em dia".

Tantas saudades tuas...

tua

Biscuit


domingo, 23 de setembro de 2018







Docelina


A Docelina era da minha turma na Escola Comercial em Aveiro. Era uma miúda,como eu,mas que morava a kilometros de distância da escola...numa povoação que nem me recordo o nome. 

A Docelina vinha para a escola de bicicleta...muitos kilometros feitos para estar na escola às 8h30 da manhã. 

 Pode parecer tudo muito bonito falando assim...mas de bonito não tinha nada. No tempo bom ela chegava à escola cheia de pó e terra, de atravessar os caminhos lá da terra, mas no Inverno metia dó. Lá chegava ela, molhada até ao osso, os cabelos pingavam, as roupas podiam se torcer...e lama por todo o lado. Lembro me que os livros vinham dentro de um saco de plástico...já eram usados e ela não podia dar-se ao luxo de ficar sem eles.Por vezes a Docelina ficava num canto a chorar pela crueldade com que alguns miúdos a tratavam. Outras vezes eram os professores que ralhavam com ela pelos trabalhos que não tinham sido feitos.


A Docelina era a única da família que sabia ler...antes de ir para a escola já tinha dado comer aos animais, e mais trinta e uma tarefas que os pais lhe imponham. A escola era um luxo...e se ela queria estudar tinha que o fazer por sua "conta e risco". 


A Docelina tinha sempre a pele morena...não precisava de se bronzear numa qualquer praia...o sol castigava-a enquanto ajudava a produzir o sustento daquela casa. Pobre Docelina...


Hoje pergunto-me porque não fiz mais por ela. Eu também não tinha muito...por vezes também chegava à escola com os pés molhados, porque as minhas botas já tinham visto melhores dias. Mas a minha mãe sempre cuidava que eu fosse limpa e cuidada para a escola. Não podia ir à cafetaria, mas sempre levava um lanchinho para quando tocasse para o "intervalo grande". Apesar de ver a pobre Docelina, acho que nunca me aproximei muito porque não sabia como ajudar. Ficava ali cheia de pena dela...cheguei a falar dela à minha mãe, que sempre me respondia "E tu ainda te queixas da vida...."


Talvez tenha sido por isso que sempre procurei incutir nos filhos a necessidade de fazermos mais do que nos encostarmos à parede e ficarmos cheios de pena. Acho que incuti tanto, que por vezes eles iam mais longe do que se pretendia.. Os lápis desapareciam , porque o outro colega não tinha nenhum...o lanche não chegava porque "partilhei com o "fulano tal" porque a mãe dele esqueceu se de mandar lanche"...a professora do meu filho dizia que ele deixava os exercicios para fazer para ajudar o colega do lado...e que depois faltava tempo para fazer os dele. O meu carro parecia o transporte escolar, porque os colegas não tinham como ir para casa e chovia tanto...."a minha mãe leva te...".


Mesmo assim...sinto tanto orgulho neles. Tanto orgulho, porque aquilo que eles são e têm sempre chega para mais um...ou dois...ou três ....


Falhei contigo Docelina...mas talvez já me tenha redimido de semelhante falta ,sempre que ensino que podemos sempre ajudar mais alguém...que sempre temos suficiente para nós e para os outros...e sempre que o faço no meu dia a dia.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018




Os  (D) eficientes 




...acho que nunca falei disto...pelo menos tão especificamente. Foi um assunto presente na minha vida...e por isso, nunca foi estranho.

A minha irmã ficou com sequelas de poliomelite...nunca andou como as pessoas sem limites físicos...Lembro me desde sempre de a ver andar agarrada ao braço de uma de nós...depois com uma canadiana, depois com duas, até que a cadeira de rodas se tornou obrigatória e indispensável.

Não me recordo de a ver como uma pessoa limitada...antes pelo contrário. Quando a mãe adoecia, ou tinha que sair, era ela a cozinhar e a tomar conta de nós...e saía-se sempre bem.

Numas férias na praia da Barra, quando as dunas ainda eram bem altas, lembro me de a ver a subir aqueles montes de areia, pelas suas próprias pernas...a ir à agua do mar connosco...Ela fez viagens de avião...de autocarro a longas distâncias...subiu a Torre dos Clérigos...sei lá. Enquanto o corpo o permitiu, sempre fez mais do que algumas pessoas sem problemas nenhuns.

Agora, quando saio com ela , temos que levar a cadeira de rodas, e para mim isso não é problema nenhum. Infelizmente para muita gente ainda é um problema grande.

Muitas vezes , deparamos com tantos obstáculos , que apetece perguntar se as pessoas com a mobilidade reduzida não têm direito à vida. 

Aqui, na santa terrinha até se aposta um bocadinho nesta coisa das acessibilidades, ainda que às vezes dá vontade de rir (sem ter graça) ao vermos locais ,ditos acessiveis, em que têm uma rampa dentro do estabelecimento, cujo acesso é um degrau alto...ou um prédio que também tem uma rampa, mas que quase não se consegue abrir a porta para chegar à "dita cuja".  Uma vez fomos a uma casa de banho de um estabelecimento, e eu tive que ficar de plantão no corredor de acesso às casas de banho, porque a casa de banho para "deficientes" era tão boa que não cabia lá a cadeira de rodas e fechar a porta ao mesmo tempo.

Questiono-me tantas vezes ..."Quem são os deficientes afinal ? "

Na minha vida a deficiência continuou a estar presente...A minha filha  , que tem algumas limitações, foi também um desafio para nós. Ninguém está pronto para uma "surpresa"destas. Mas também tivemos que arranjar as "rampas de acesso " para a sua vida, colocá-las em locais estratégicos , para que ela pudesse sentir que este mundo também era dela.

Às vezes penso que se tivesse que depender de alguém para me ajudar a tomar banho num dia de calor, ou depender de quem me cortasse as unhas , ou me ajudasse a ir de um local para o outro, como é que seria. 

As batalhas que tivemos que travar pela aceitação de um ser um bocadinho diferente do normal, nunca foi fácil. Tentar que não se sentisse rejeitada por ninguém brincar com ela, por ninguém lhe telefonar, ou convidar a sair...porque é desajeitada, ou lenta, ou porque não tem muita conversa, ou não sabe falar de trivialidades...é uma tarefa quase diária.

E é aqui que os (d)eficientes mostram de que fibra são feitos, quando conseguem viver sem essas pequenas coisas , e aprendem a conviver com a indiferença, e com a "pena" que alguns sentem quando os vêem.

"Penas têm as galinhas"..já dizia a minha mãe...e eles não precisam de nada disso.

Não pensar em convidar a sair uma pessoa d(eficiente) só porque anda numa cadeira, ou porque não veste ou anda como os demais, é uma indiferença que chega até a doer me quando penso nisso. E é aqui que vocês podem pensar que falo por causa dos casos que me são próximos...Pensem o que quiserem...Falo com conhecimento de causa...e por causa de tanta gente que conheço e que ficam no seu canto porque não quererem atrapalhar a vida dos "so-called-friends".

E se fosse eu ? E se fosse um de vocês ? Agora ,que lêem o que escrevo, e que podem até discordar de mim, imaginem que precisam de um copo de àgua, mas a cozinha fica longe, a torneira é muito alta...têm que pedir a alguém...mas ninguém está perto...

Valha-lhes a sua eficiência em contornar obstáculos, mesmo quando ninguém está perto para ajudar.



sexta-feira, 13 de julho de 2018



...Praia...






Não há dúvida...isto anda tudo baralhado...Férias em meados de Julho significava dias de muito calor, mergulhos em àguas de temperatura agradável...praia de manhã à noite....Agora temos temperaturas que dificilmente passam os 24 graus...àguas geladinhas...e a praia...bem...o vento provoca frio que torna tudo mais desagradável.


Há uns anos atrás eu ficaria muito aborrecida por isso...agora, não me importo nem um bocadinho .Com os anos a passarem por nós as férias adquirem outro significado. O descanso é a palavra principal em tudo isto. O" não ter horários", ler um livro...dormir..são imperativos para umas ferias que se prezem.


Não prescindo, enquanto me fôr permitido, de ter o mar ao pé...de ouvir as gaivotas logo pela manhã...o cheiro a maresia...a imensidão de todo aquele azul, que eu adoro.


Quando os miúdos eram pequenos, havia que aproveitar a praia ao máximo..."os meninos precisam " ...e em pequenos chegavam a ter quase 4 meses de praia, quando vivíamos perto do mar. Dava até para irmos à praia depois da saída dos empregos...e ficarmos lá até à "hora das gaivotas"...quando os humanos vão embora e elas veêm à procura dos restinhos dos lanches que por lá deixaram. .A essa hora tudo era muito mais calmo...e a àgua tinha, muitas vezes ,a temperatura ideal. Para sairmos com os miúdos, levávamos um monte de coisas, que se transformariam em montes de areia pela casa fora.


Hoje, quando vejo os pais de crianças pequenas a irem para a praia, sorrio ao pensar na trabalheira que terão no "after-beach"...e a minha vontade é dizer-lhes "Aproveitem bem...um dia terão saudades de toda essa canseira..." . E como eu sei disso....Lembro da minha impaciência, quando os miúdos perguntavam "tens alguma coisa para se comer?" e ainda mal tínhamos chegado à praia...e até nisso me revejo nos pais que vejo hoje.


Agora posso me dar ao luxo de simplesmente estar sentada a olhar para o mar, ao mesmo tempo que vou devorando um livro que esperou um ano para ser lido...e ouço os pais a chamarem os "enfants"...fazendo um barulho imenso...e os ingleses e o seu bronzeado "cor-de-rosa" que insistem em "melhorar" tisnando a pobre pele já escaldada.


Em pequena as férias eram sinónimo de mais uns dias em casa, para "variar"...em Santarém onde o calor era insuportável, e parecia que via a poeira pelo ar como em qualquer filme do faroeste...Depois em Aveiro, onde a praia era tão perto, mas para uma família numerosa a praia era longe...até porque o meu pai nunca teve carro...Mas eram verões mais fresquinhos. Divertia-me imenso, quando tinha que sair para fazer algum recado à mãe, e pelo caminho encontrava turistas meios confusos a olhar para os mapas e acabavam por perguntar onde ficava isto e aquilo, e lá respondia eu no meu inglês muito primário, mas já muito eficaz.


Em cada local que vou...encontro sempre memórias de há anos passados. Faz me sentir aquela nostalgia normal...mas leva me sempre a pensar no que poderia ter feito de melhor...Devia ter aproveitado melhor cada momento, em vez de ter a pressa de chegar mais além.


Se estes meus escritos não servirem para mais nada, então que sirvam para lembrar a cada um que lê, que a vida passa tão rápido, e que cada momento deve ser acarinhado e vivido com a mesma intensidade  como se soubéssemos que partiríamos amanhã.

terça-feira, 12 de junho de 2018

...partidas...







..."partidas" é a palavra certa...sim, o contrário de "chegadas". Nunca gostei de partidas ...nem reajo muito bem a elas. Em geral, quando falo de partidas refiro me às minhas pessoas...e dói como tudo. 

Ultimamente,  e porque tem que ser, vou muitas vezes ao aeroporto. Quando é na zona das chegadas , tudo é muito lindo...vemos pessoas a correr para os braços de outros que os aguardam...sorrisos...gargalhadas...os minutos parecem horas...o avião aterrou, ninguém sai lá de dentro porquê..oh pá...que demora esta...e só passaram poucos minutos.

Nas partidas...o ambiente é sempre mais tenso...Uns dizem adeus e desaparecem à pressa daquele local, limpando os olhos das lágrimas teimosas que teimam em cair...outros acompanham quem parte até ao último centímetro que lhes é permitido...como se dizer "adeus" um passo mais à frente nos desse tanto, mas tanto daquilo que vamos perder. Os minutos aí passam tão depressa...só mais 5 minutos, só mais um abraço, só cheirar o teu perfume mais uma vez...

Por vezes são partidas por breves semanas ou meses...mas depois há aquelas partidas das nossas pessoas que vão para o outro lado do mundo e dizem..."Mas a gente vai voltar a estar juntos...vais ver...Pro ano eu volto..." ...quando tanto eu como eles sabemos que isso é mais que pouco provável. Há muitos anos fui até Itália...conheci gente boa...muito boa...daquelas que se tornam "minhas pessoas"...e prometi voltar...quem sabe todos os anos...Nunca mais voltei...A vida troca-nos as voltas e as viagens...

Mas aquelas que doem mesmo a sério é quando parte alguém ,que sabemos ,de forma definitiva...Há sempre tanta coisa que ficou por dizer, porque somos mais teimosos que mulas e pensamos que iremos ter "toda a vida e mais seis meses" para dizer tudo aquilo que agora está aqui atravessado na garganta...Ingênuos que nós somos. 

Ficamos a sentir que nos falta uma parte...algum espaço dentro de nós que nunca mais vai ter alguém para ocupar...o medo de voltar a ter alguém que preencha esse vazio, porque também essas pessoas vão partir um dia e repetimos a dor que temos e que parece não apaziguar com nada...Acho que nunca mais conseguimos ser os mesmos...eu não consegui.

Impotente ...é como eu me sinto...quando alguém não consegue lutar mais pela vida...perante doenças que matam...e eu bem quero agarrá-la e não deixar ir...porque me faz falta, porque é parte de mim, porque prometemos ficar juntas até ao fim dos tempos....e afinal o tempo dela chegou primeiro que eu e eu não sei lidar com isto...Partidas...não gosto...

Mesmo quando a idade é muita...mesmo quando as forças escasseiam...egoisticamente pedimos que fiquem mais um pouco...como se fossem aqueles centímetros na zona de partidas do aeroporto...que nos vão dar mais força e alento.

...é uma viagem a nossa vida...e em cada estação e apeadeiro vão saindo companheiros...bocadinhos de nós...e...caramba...não me habituo a isto.


segunda-feira, 4 de junho de 2018

...livros...

...gosto do cheiro a livros...cadernos novos.... Às vezes até penso que se alguma vez tivesse um negócio, seria de certeza uma livraria/papelaria.

Em casa sempre houve livros...de todas as cores e tamanhos... Os livros do pai, a colecção do Camilo Castelo Branco...esses eram vermelhos, letras pequeninas...e tantos , tantos mais, que eu via o meu pai ler quando chegava do trabalho...os livros das irmãs mais velhas... os jornais "religiosamente" dobrados pelo meu irmão mais velho.

Quando começou a chegar a altura de ir para a escola comecei a tomar mais atenção...finalmente eu ia ter os meus "papeis", os "meus livros.

Os primeiros cadernos eram de duas linhas...e escrevíamos com canetas de tinta permanente. E eu não me dava muito bem com essas canetas que insistiam sempre em deitar tinta onde não deviam e deixavam me o dedo indicador cheio de tinta azul...e usávamos papel mata borrão...côr-de-rosa...que fazia a tinta secar mais depressa...Lembro-me de uma caneta que tive, com um aparo dourado e que por fora era côr-de-laranja... recordações...

A professora Dona Elsa...austera...exigente...mas que me achava muita gracinha, porque eu era espertalhona e faladora...Tão depressa me levava a sua casa para lanchar no intervalo da aula, como me dava umas boas reguadas se eu não acertasse com os cálculos da Matemática.....aii as contas....

Mandava-nos fazer cópias de letrinhas e pequeninos textos, com as letras todas dentro daquelas duas linhas...muito bem desenhadinhas...mas o meu nome começava com uma letra cheia de floreados e às vezes lá ia um risco pra fora " Oh menina...vamos lá repetir essa letra..."

No início dos anos lectivos lá íamos comprar uns caderninhos, os livros principais, e aquele cheiro aumentava a minha expectativa para mais um ano...tratava-os tão bem que no final do ano ainda pareciam que tinham sido pouco usados.

E outra brincadeira que fazíamos, os miúdos da nossa idade, era ir às livrarias ,antes do 7 de Outubro ,quando começavam as aulas , e pedirmos "horários".
Os "horários eram pequenos cartões com espaço para marcar as diferentes aulas e disciplinas que tinhamos ao longo do dia. Para quê que nós, putos da escola primária queríamos isso...Era só por ter...eram grátis...uns mais bonitos que outros...Mas eu gostava de ir, porque assim tinha desculpa para entrar na livraria e sentir aquele cheirinho do papel.

Quando comecei a ler bem, ia com a minha irmã à carrinha da Gulbenkian "requisitar" livros, que teríamos que devolver uma semana depois. Mais livros a entrar naquela casa...Parece que ouço a mãe a dizer, o que repetiria ao longo da vida, "Pra quê que queres mais livros...ainda não lestes os outros que tens ..."

E,mais velhinha,descobri o gosto pelas bibliotecas. A Biblioteca Municipal da cidade onde eu vivia...tantos livros, estantes tão altas, antigas...aí nem era só o cheiro a livros, mas também o cheiro a antigo, a velho. Até a bibliotecária não era lá muito nova,não. E sempre a mandar calar sempre que falavámos mais alto, enquanto fazíamos trabalhos de casa, ou pesquisávamos matérias para algum projecto (Havia vida antes do Google ). Por mim passava lá as tardes, mas a mãe não achava muita graça à ideia. 

E depois aquela biblioteca já não chegava e quando abriu outra na Universidade, lá fui eu inscrever-me e também passava lá algum tempo e os livros eram diferentes e havia janelas...e cheirava a "novo".

Aprendi a fazer dos livros o meu espaço de "evasão". Agarrava num e partia para outro lado...via novas pessoas...novas histórias...tantas horas de leitura...e o cheiro a livros...

As minhas pessoas gostam de livros...oferecem livros...partilham histórias...

Ainda hoje , quando me apetece "viajar" no tempo pego no meu livro de eleição...e leio outra vez. Tive que ler na escola e apaixonei-me pelo estilo, pelos locais, pelas pessoas...quando muitos não conseguiram ler uma só vez, eu perdi a conta às vezes que o li. Para mim, é sempre relaxante tomar um café ao final da tarde e conversar com o João da Ega...

segunda-feira, 21 de maio de 2018





 De mãos dadas


Uma das coisas de que tenho mais saudades é de levar os meus filhotes pequeninos pela mão. "Anda ... anda ver o mar...olha a onda ...foge,foge...". Tão pequeninos... ainda a tentar manter o equilibrio, que por vezes não era fácil.

Aquelas mãozinhas pequeninas, fofinhas que nos agarravam com tanta força, com medo de cair. Que saudades...

Quando eu era miúda, gostava imenso de ir ao mercado com a mãe.                                                    Dizíamos na altura "ir à praça". Eu gostava de me levantar cedo e ir com  a   mãe, no seu passo apressado, de mão dada com ela. E se largava  algum   momento , logo ouvia "Dá a mão à mãe para atravessar a rua.   Olha os carros, oh menina!!" Saudades de dar a mão à mãe...

É que "dar a mão" a alguém  é sentir segurança. Quando eu ia para a escola primária, eu era bem pequenina, e os meus olhos grandes e cabelo preto,  valeram-me por parte de uma das minhas irmãs a alcunha de "Mosquito". Mas eu ia sempre muito prazenteira, de mão dada com o meu pai, que ia trabalhar e me deixava na escola. Íamos a pé, que carros era para gente rica, e a pequena viagem durava pra aí uns 10 minutos, se tanto. Mas eu sentia me muito importante...o meu pai ia comigo, e ninguém se iria meter com um "Mosquito" com o pai ao lado.

 O meu pai, sempre pontual, sempre a andar no mesmo passo (às vezes eu saltitava para o acompanhar), ao fim de tantos filhos creio que já tinha perdido a paciência para mimos. Uma vez, no meu aniversário , o meu pai trouxe me uma prenda. Não era costume haver prendas, mas naquele ano o pai lembrou se e trouxe me uma. O meu entusiasmo desapareceu quando eu abri o embrulho...Lá dentro vinha um livro "grande", de capa feia, "O Malhadinhas"..."Oh pai, eu queria era um livro da Anita, pintado a aguarelas lindas e coloridas...as meninas lá da escola tinham a colecção inteirinha..." Pois, mas calhou me "O Malhadinhas". Coitado do meu pai...se calhar viu o meu desalento perante tal presente.  Quando me tornei adulta entendi muito bem. O meu pai tinha paixão por livros que era um luxo que não se podia ter. Dar me aquele livro era para ele uma coisa boa, um investimento na minha cultura geral, era o melhor que ele podia e sabia fazer. As crianças são injustas por vezes.

Quando a filhota nasceu, tive que aprender a dar a mão...a segurar com firmeza, sem magoar. A fazê -la sentir se segura...tal como o "Mosquito". Ao nascer o filhote eu já sabia todas as maneiras de dar a mão. A frase "Não se atravessa a rua sem dar a mão!!" voltou a aparecer no meu mundo, mas desta vez era eu que a dizia. Caminhava devagarinho, à velocidade deles...ajudava a descer o passeio, a passear no jardim...tão bom.

De quando em vez vejo pais a darem a mão a filhos mais velhos...muito mais velhos...e isso não será já tão normal. Significa que os filhos continuam a precisar de ajuda para o equilibrio, para a segurança, para a confiança que deveriam já ter. Ou vejo filhos a darem a mão a pais mais velhinhos...a ajustarem o passo aos passinhos que ainda dão...com paciência...e o ciclo volta ao início.

Dar a mão é dar segurança, mas é também dar auxílio quando alguém está prestes a cair, quando alguém tem medo e mais do que com palavras dizemos "Estou aqui contigo...estás seguro...não estás sózinho".

Dar a mão é "amor aos bocadinhos"...é sentirmo-nos nas nuvens quando damos a mão ao namorado pela primeira vez, quando desfilamos pela igreja quando casamos, quando corremos pela praia e sentimos os salpicos na cara...e acabamos por rir...de mão dada.


       

segunda-feira, 14 de maio de 2018

...ninguém me disse...




Éramos muitos lá em casa..e como tal aprendi a ver a mãe a comprar tudo em quantidades grandes, a cozinhar grandes panelas de sopa, ou grandes tachos de outra comidinha boa. Claro que ,quando casei, o que eu sabia cozinhar era em quantidade...e por isso andávamos a comer a mesma coisa durante dias para não se estragar. Ninguém me disse que seria assim...

Fazer compras era outra aventura...habituada que estava a comprar 5 pacotes disto e mais 5 litros daquilo, 10 de uma coisa e 7 de outra...custou me habituar a comprar 1 ou 2 embalagens de cada...Éramos 2, não 11. Também ninguém me disse que isso iria acontecer.

Ninguém me disse que estudar fora de casa, em regime de internato, seria tão complicado como foi. Partilhar quarto com pessoas de culturas  e educação diferentes não me foi fácil. Estar longe da família, da casa foi muitas vezes regado com lágrimas. Não havia net... o telefone era bem pago e as viagens não eram baratas para quem não ganhava nada.

Ninguém me disse que os namoros eram difíceis...que nem todos os dias recebíamos flores, que não respirávamos corações como nos desenhos animados, nem suspirávamos sempre que olhávamos um para o outro como nos filmes.

Também ninguém me disse que o casamento não era um completo romance 24 sobre 7 , que por vezes havia dias maus, que eu tinha que fazer cedências, andar até meio do caminho...porque eu acreditava que comigo seria diferente.

E quando vieram os filhos, também não sabia que havia um explodir de amor por outra criaturinha, que nos apaixonaríamos por aquele ser que nunca antes tinhamos visto, que era tão bom sentir aqueles pontapés e pequeninos empurrões dentro da barriga. Nunca me tinham dito.

E quando as coisas não sucederam como nos contos de fadas, também ninguém me disse que continuaria a lutar, com as forças que surgiram sei lá de onde, que continuaria a amar para além das limitações, dos desaires, das desilusões, que eu seria capaz...e fui.

E quando toda a gente dizia como eu havia de cuidar dos meus filhotes, apesar de todas as "mézinhas que me disseram que devia usar, de todas as comidinhas que eu deveria dar, de todos os choros que eu devia deixar chorar...aí eu não precisei que me dissessem mais nada...eu e só eu sabia o que havia de fazer, de amar , de cuidar, de dar colo. O colo era meu...e só meu...e não me arrependo de nem um minuto sequer em que abracei os meus filhos .  Nunca vou esquecer a mãozinha em cima do meu peito, os dedinhos a enrolarem se nos meus cabelos, o respirar fundo quando os apertava contra mim.

Há coisas que não precisamos que nos digam,porque há coisas que só nós sabemos...e sentimos...e passamos na pele.  Lembro me da minha mãe, de como tantas vezes ela dizia "Oh filha, a mãe não tem fome. Já comi esta sopa toda, vês ? " E eu, criança, acreditava ...depois questionava me porque é que a mãe "perdia o apetite" sempre a seguir à sopa...Até que uma dia eu também disse à minha filha a mesma coisa "A mãe não tem fome...vês ? Já comi tanta sopa."...e aí já não precisei que me dissessem o porquê da resposta da minha mãe.

Não é preciso dizerem-nos tudo...a vida encarregar-se-à disso.


quarta-feira, 9 de maio de 2018

...ainda bem que nasceste...



...fiz anos há poucos dias...foi um dia de sol, cheio de mimos, em que muitas pessoas usaram redes sociais e telemoveis para demonstrarem o seu carinho para comigo. Houve no entanto uma pequena mensagem que me emocionou...Nela alguém escrevia ..."estou tão feliz por teres nascido..." e outras coisas mais.

Mas esta pequena expressão, fez me ficar muito feliz. Eu sei que não é nada demais...tal como tudo aquilo que eu valorizo...as pequenas coisas e gestos. Mas fez me pensar se alguma vez eu disse isso a alguém...e se não disse, talvez deveria ter dito.

Nasci numa familia grande...claro que os meus pais devem ter ficado muito felizes por eu ter nascido, (acho eu :)  ) mas penso muitas vezes que a gravidez não deve ter sido planeada...eram outros tempos Não sei se por isso eu nunca me achei especial, sempre me achei uma entre muitos. 

Talvez seja por isso que eu cada vez mais acho que se deveria ao menos uma vez por ano, lembrar as pessoas que são queridas (não "fofinhas" e tal...), que estamos felizes porque nasceram, porque existem, porque estão na nossa vida.

Uma vez por ano...o dia do aniversário...devia ser um dia festivo...mesmo que não houvesse festa nenhuma

Não me lembro de ter festas de aniversário...aos meus filhos tentei que elas não faltassem, dentro daquilo que podia e enquanto eles as valorizavam....

Hoje em dia, festa em que não hajam insufláveis, prendinhas para os convidados, meninas muito lindas a pintar as caras dos meninos...já não são festas. O valor das coisas sobrepôs-se ao valor das pessoas em si.  No meio de tanta barafunda e confusão os miúdos nem sabem o que estão a celebrar de verdade...querem é as prendas.

Talvez um dia aprendam que o que tem mesmo valor é alguém nos dizer "ainda bem que nasceste...", "tu és importante para mim", ..."fazes me bem...". 

Eu estou a esforçar me por dizer isto mais vezes...e tenho-o feito...dizer "eu admiro te...tu és importante para mim...inspiras me..." são pequenos termos que podem alegrar a vida de alguém que está triste, que lhes pode dar o sol num dia de chuva.

Se ao menos entendêssemos que precisamos tanto uns dos outros...


sábado, 28 de abril de 2018




As avós

Nunca conheci bem os meus avós. 

Ouvi histórias dos avós paternos...gente de Lisboa...mas nunca os vi. Quando nasci já tinham falecido e eu só herdei o nome da avó. (Ainda bem que não se chamava Genoveva :) ) Dizem que ela era muito rígida, pouco dada a graçolas...mau feitio (acho eu)....O avô com um nome esquisito, tinha o seu quê de inventor, mas nunca com muito sucesso.

Os avós maternos, ainda os conheci...muito pouco. Lembro me da avó pequenina e do avô muito grande...um casal improvável em termos de altura. Eram pessoas do campo, gente de trabalho, que quando iam a nossa casa lembro me que traziam (entre outras coisas) pinhões dentro de saquinhos de pano.Apesar de não os ter conhecido bem, e de me recordar de pouco mais que isto, quando penso neles sinto assim um aconchego que não sei explicar.

A ideia de ter uma avó "daquelas dos filmes", sempre bem penteada e a cheirar a lavanda, a preparar bolos e sumo de laranjas para o lanche, sempre bem disposta e cheia de vontade de receber os amigos dos netinhos...nunca tive...acho que é mesmo só nos filmes.

Quando tive os filhotes, achei que "avós" era assim uma coisa que lhes fazia muita falta. Mas fui morar para longe dos que existiam. 

A mãe ainda ficou alguns dias comigo quando a mais velha nasceu. Após 9 filhos e uma mão cheia de netos, dizia ela nunca lhe ter passado  pelas mãos uma que chorasse tanto...pois não ( e eu que o diga)...Mas os dias passaram e ela foi embora. Apesar de não saber ler, contava histórias como ninguém. Pegava num livro apontava para os bonecos e "lia"...e os meninos paravam e ouviam sempre na expectativa do final da história. Cantava canções...tinha uma paciência que nunca teve para os filhos...porque a vida era mais corrida e não havia tempo para "estas coisas". Saudades tuas,avó Rita.

Mas faziam falta...eu queria tanto que os meus filhos tivessem avós.

 A mais velha foi mesmo uma privilegiada. Em vez de uma , teve duas avós emprestadas.

 A avó Sara era uma senhora grande, bem disposta e com uma paciência de" Jó". Quando levávamos a filhota depois de almoço, era certinho que ia com a avó Sara ao café do bairro. A avó bebia café e a filhota distribuia sorrisos, a sua imagem de marca até hoje. Ainda hoje me lembro da imagem dessa avó com a filhota pela mão...a passar pelos vizinhos que a conheciam pelo nome e que faziam sorrir a avó Sara. Ao final da tarde quando a íamos buscar, lá estava ela toda feliz...e a avó ,impávida e serena, como se o barulho dos outros meninos, dos sobrinhos, da familia ao seu redor não existissem. Que saudades avó Sara...

E depois havia a avó Ilda...que tinha uma pequena quinta e que fazia as delícias da filhota, quando lhe punha um sacho pequenino na mão (feito de propósito para a menina) e lá iam abrir valas para a rega da horta. Quantas sestas a filhota dormiu numa rede de baloiço, embrulhada em mantinhas e embalada pelo vento...quanta comida alentejana ela comeu, sem birras, sem nada "passado"...E quando nasceu o filhote, também foi neto. E a quinta foi recreio para brincadeiras, para ver as galinhas...para saberem que os ovos vinham mesmo dali e não cresciam nas prateleiras dos supermercados.

Mãe é quem gera ? É quem ama ? é quem cria? E as avós ? quem são as avós ? São as que têm tempo para aconchegar...as que fazem as coisas ao ritmo dos passinhos pequeninos dos meninos, que podem esperar todo o tempo do mundo,
até eles comerem a sopinha, porque já não têm que correr para o emprego. São o porto seguro quando a mãe não deixa comer o chocolate, ou o pai mandou para cama. São aquelas que lhes conta as histórias que nós já esquecemos...são verdadeiras super-mães.

Que saudades , avós.



terça-feira, 24 de abril de 2018



...do azul ao verde....

Gosto do mar...sempre gostei muito. Nasci numa cidade do interior onde mar era uma coisa que só se via na televisão. Os meus pais nunca tiveram carro, a familia era grande e as deslocações quase impossiveis...

Então ainda esperei uns anos até ver o elemento azul...enorme...lindo.

 Não consigo precisar em termos de tempo, mas a recordação  mais antiga é a de umas férias na Praia da Barra. Tanto que ansiávamos as férias, e nessa mesma altura eu e as mais novas apanhámos papeira... Lá fomos nós ...com papeira e tudo... A mãe não gostava do mar, dizia que lhe provocava tristeza...nunca vestiu um fato de banho...mas ia connosco e o farnel para uma tarde na praia. Nem lá ela descansava..."oh miúda, põe o chapéu...não atires areia à tua irmã"....a praia...o mar...

Depois viemos viver para uma cidade junto ao mar...mas não era assim tão "junto"...tinhamos que ir de carro...que não tinhamos. Então de vez em quando "umas almas caridosas" levavam as miúdas a ver o mar, ou algo parecido. A estrada ladeada de montes de sal fazia adivinhar o azul , grande , imenso, que íamos ver...Mas a grande parte das vezes nem saíamos do carro...enquanto os nossos "benfeitores" liam o jornal, até decidirem voltar pra casa...e pronto...já tinhamos visto o mar...ou pelo menos cheirado a maresia.

Muito mais tarde voltámos a viver junto ao mar...aí já tinha a minha casa e carro e podíamos ver o mar tantas vezes quantas desejássemos. Logo de manhã...ainda a praia estava deserta e nós já lá estávamos...as gaivotas, essas tontas, andavam pelo areal e nem se assustavam porque tudo aquilo era delas. Ou então ao final da tarde...lá voltavam as gaivotas para apanhar as migalhinhas deixadas pelos lanches dos veraneantes. Habituámos os filhos a verem o azul como a côr mais amiga...a deixarem se mergulhar na àgua...a cheirar aquele cheiro salgado...a não terem medo das gaivotas.

As voltas da vida trouxeram nos até ao verde...não sem muito protesto, porque o azul é que era lindo, majestoso.

 E aos poucos aprendemos a ver o verde como uma côr calma e serena...afinal havia tantos tons de verde, tantas formas...e havia pássaros, daqueles que chilreiam tão afinados...e havia silêncios do tamanho do mundo...ou sons de cascatas a correr,umas vezes suavemente, outras vezes na fúria dos invernos rigorosos. E havia ruínas de casas, outrora habitadas por famílias que viviam  do trabalhar da terra, do leite das cabrinhas...histórias sem fim de gentes que não conheci e que conseguia imaginar nas suas lides...o resto de uma janela...de uma lareira...quantas neves conheceram...

...tudo tão diferente...tudo tão indispensável...

Aprendi a ser grata pelo lugar onde estou, mas também pelos lugares onde passei...De que vale ver a vida como uma viagem, se não apreciarmos a paisagem ? Cada salpico de uma onda, cada estalar de um ramo que pisámos, o silêncio...o ruído...não conseguíamos viver sem isto, pois não?

domingo, 22 de abril de 2018

...casa...


Depois de um dia de trabalho,chegar a casa sabe tão bem.  Eu sempre gostei de chegar a casa...é o meu lugar seguro, o meu castelo. E ainda dentro da casa existem outros lugares especiais...a cozinha (sempre gostei de cozinhas) , a varanda com vista para a serra...

Quando era miúda a casa dos pais, que era também a minha casa na altura, era a proteção, a segurança...o lugar onde sempre poderia voltar.

 Nessa casa existia um cantinho que era só meu : o cantinho da varanda ,do segundo andar onde eu vivia, , onde  me sentava e via passar o "mundo". Era lá que lia os livros dos "Cinco", mergulhava naquelas aventuras como se minhas se tratassem. O engraçado era que os "Cinco" passavam a vida a passear por prados e vales, e levavam sempre sanduiches maravilhosas, com ingredientes que não eram assim tão vulgares, pelo menos na minha casa. Então sentava-me no cantinho da varanda, com um livro e ia saboreando uns pãezinhos com manteiga enquanto lia. Naquele momento saía daquele apartamento e viajava por todos aqueles lugares cheios de aventuras e mistérios. Só saía de lá quando ouvia..."Onde é que aquela miúda se meteu ?"

Agora tenho a minha própria varanda, onde gosto de me sentar ao final da tarde , e olho a serra e aquelas casinhas espalhadas por lá e invento histórias de pessoas que poderiam lá morar...aventuras que nunca se passaram...personagens dum mundo que é só meu. E é tão bom.

A minha primeira casa...a casa onde criei os meus filhos...a casa dos meus pais...a minha casa actual...Em todas encontrei a segurança que precisava, o abrigo em tempos tumultuosos. Ainda hoje procuro que a minha seja uma casa onde os meus filhos queiram sempre voltar...onde pessoas possam vir e encontrar abrigo,atenção,abraço...Se não existir isso , então não será uma casa...serão apenas quatro paredes sem vida dentro.

Casa é risos e lágrimas, gargalhadas,discussões, dias bons e dias menos bons, é chá e torradas, é o cheiro de um bolinho acabado de fazer, é confusão e azáfama, é a música a tocar, ver o filme do  costume no sofá, é o gato a ronronar,é descanso e harmonia...

Se fosse eu que mandasse, toda a gente teria uma casa assim...um lugar onde sempre podemos voltar e sentir o aconchego do cheirinho da "comida da mãe" a espalhar se por todo o lado.

sábado, 21 de abril de 2018

...sem beijos nem abraços...

...continuamos em tempos de experiências...não me entendo muito bem com isto, mas hei de lá chegar.

Hoje o dia amanheceu cinzento...outra vez...Sábado é o dia em que me posso levantar mais tarde, e aproveitei mais um bocadinho no vale de lençois e soube muito bem.


Mas também é o dia em que tenho que me virar para a cozinha, e adiantar refeições....Ligar a música, fechar as portas para não ser incomodada e lá comecei eu. Alguém disse que cozinhar é uma maneira de amar as pessoas ...e eu amo as minhas pessoas. Dá me prazer vê-los a saborear as minhas comidinhas.  Melhor que dar beijinhos e abraços...nisso eu não sou muito boa. 

A minha mãe era assim, acho eu. Na altura estava muito ocupada a ser criança e nem me apercebia muito. Não fui habituada a muitos beijos e manifestações de ternura, e também não sentia falta...A mãe mostrava o seu amor cozinhando para nós, tratando das roupas, tentando ver se nada nos faltava. Sinto falta desse amor...perdi-o há muitos anos.

Ainda sou assim...nada de muitos "apertos" e  conversas melosas...se amo,cuido...é o que sei fazer. 

Quem disse que para haver amor tem que haver beijos e abraços ? De vez em quando lá me agarrava à mãe e dava-lhe um abracinho, e gostava de sentir o cheiro dela, mas era assim "coisinha rápida"..."Larga-me Lisa, tenho que acabar o almoço !! " E eu largava-a e ria. 

A mãe , no final do dia (não havia milhentos canais na televisão) juntava se a nós no "quarto das miúdas" e lá estávamos um bocadinho no paleio, e a rir às bandeiras despregadas, com as recordações de familiares que nunca conhecemos, que moravam " lá na terra". Também isso era amor...sem beijos nem abraços.

Passaram tantos anos desde essa altura, e sinto tanta saudade, mas as recordações ficaram...sem beijos nem abraços.

Acho que a idade traz de volta a vontade de um abracinho de quando em vez...Melhor que os abracinhos do companheiro de uma vida, dos filhos, não existe...O abraço que transmite segurança, o abraço que nos pede colo, o abraço de quem não queremos largar...

A vida trouxe me várias pessoas...e a melhor delas todas também não gostava de beijos nem de abraços...mas era parte de mim. Também ela partiu, sem beijos nem abraços, mas o amor que sempre nos ligou estava lá..."queria tanto que estivesses aqui comigo."...mas eu não pude estar.

...sem beijos nem abraços...mas com tudo aquilo que existe em mim , eu amo as minhas pessoas...não são muitas...cabem pra aí numa mão cheia...mas por essas eu faço tudo aquilo que está ao meu alcance...

O que um dia na cozinha nos leva a pensar......sem beijos nem abraços...