quinta-feira, 27 de dezembro de 2018






Natais...natais

De certeza que os meus irmãos se recordam de muitos mais pormenores ...eu só guardei alguns.

Em criança, não sei como eram... tenho ideias muito vagas. Lembro me da correria que havia lá por casa no dia 24, com a mãe aos gritos para toda a gente se levantar porque ainda tinha que bater as filhoses. As filhoses eram batidas num alguidar de barro, que era comprado todos os anos porque tinha que ser novo...levava abobora...farinha , fermento de padeiro...aguardente e sei lá mais o quê. A mãe batia aquilo com uma força descomunal, enquanto uma das minhas irmãs segurava o alguidar. Depois punha-se o "sagrado" alguidar numa das camas, rodeado de cobertores e saco de agua quente, para a massa não arrefecer e levedar. Se a massa tivesse o "azar" de não ficar nas condições que a mãe queria, seria o azar também para nós, porque a mãe ficava com um mau humor daqueles à moda dela.

O pai, sabe se lá porquê, só fazia a arvore de Natal nesse dia também. Então o stress era um elemento comum tanto na sala como na cozinha...enquanto nós os filhos, nos desdobravamos a fazer tudo o que era mandado para que não houvesse por ali más disposições.  O pai sempre arranjava um pinheiro , natural, nada de plásticos que não cheiram a Natal, e tentava numa luta titânica que ele ficasse fixo a uma tábua, que por sua vez ficava fixo a uma caixa de madeira que serviria de base. A bricolage não era de todo o forte do meu pai...e marteladas e pregos era o que mais abundava naquele dia.

Por fim a arvore lá ficava fixa e se enfeitava o melhor que se podia...lembro me de uma fita com umas lanternas coloridas, que eu adorava, e que se espalhavam por toda a arvore.

As famílias grandes sabem o que é uma boa barafunda...em especial quando  a casa é antiga e a cozinha fica numa ponta e a sala de jantar noutra, e constantemente tropeçávamos uns nos outros no longo corredor entre a sala e a cozinha.

Depois do bacalhau a,arrumava se a cozinha, mas pensava se logo no chocolate quente. Lá vinham as duas grandes tablettes Belleville,,,,minuciosamente raspadas com uma faca, que toda a gente apreciava. Pergunto me agora porque é que tinhamos que raspar a tablette com uma faca, e não a partir aos pedaços como agora fazemos. Mas as decisões estão tomadas, as tradições não se quebram e lá está o famoso chocolate...

À meia noite íamos para o quarto das mais velhas e punhamo-nos todos ao redor da cama, onde haviam montes de presentes com os nomes de cada um...as doze badaladas...os beijinhos de feliz Natal e a abertura daqueles embrulhos todos...(que só surgiram quando as mais velhas começaram a trabalhar)

Não me lembro de muito mais...lembro me que muitas vezes tínhamos pessoas de fora da família que nos honravam com a sua presença...e que nós acolhíamos porque naquela noite ninguém deveria estar só.

Os tempos foram mudando...tal como nós...já não somos os miúdos a contar minutos para que a meia noite chegue depressa. A minha arvore já é artificial há uns anos, e raramente se decora da mesma maneira de ano pra ano. As filhoses, não as sei fazer...a irmã que segurava o alguidar é que ficou com toda a sabedoria dos fritos de Natal...eu não.

Ainda fazemos o chocolate quente, mas não raspamos o chocolate, partimos aos bocadinhos...e resulta muito bem. Os meninos cresceram e já são homens e mulheres com sonhos bem definidos, que chegam de toda a parte do mundo para onde voaram quando lhes demos as suas asas...

Falta nos a teimosia do pai a martelar a arvore....a impaciência da mãe a bater as filhoses...

Então vamos criando outras recordações, que queremos que os nossos filhos guardem...que se lembrem de nós...que nos amem mesmo quando a distância já se mede em muito mais que kilometros...

O Natal é o regressar a casa...é o abraço que demorou um ano a dar...é o cantarolar as músicas de há anos...é pensar nas prendas que gostaríamos de dar...nas que conseguimos dar...porque no Natal todos queremos dar alguma coisa de coração...uma palavra , um sorriso, o trocar de memórias...

Que haja muitos mais Natais...que o cheiro do açucar e canela continue a encher a minha casa...que os filhos possam regressar ao ninho...que mais pessoas possam não ficar sózinhas...ao menos por uma noite...

Feliz Natal...já nos foi dado tudo.