terça-feira, 12 de junho de 2018

...partidas...







..."partidas" é a palavra certa...sim, o contrário de "chegadas". Nunca gostei de partidas ...nem reajo muito bem a elas. Em geral, quando falo de partidas refiro me às minhas pessoas...e dói como tudo. 

Ultimamente,  e porque tem que ser, vou muitas vezes ao aeroporto. Quando é na zona das chegadas , tudo é muito lindo...vemos pessoas a correr para os braços de outros que os aguardam...sorrisos...gargalhadas...os minutos parecem horas...o avião aterrou, ninguém sai lá de dentro porquê..oh pá...que demora esta...e só passaram poucos minutos.

Nas partidas...o ambiente é sempre mais tenso...Uns dizem adeus e desaparecem à pressa daquele local, limpando os olhos das lágrimas teimosas que teimam em cair...outros acompanham quem parte até ao último centímetro que lhes é permitido...como se dizer "adeus" um passo mais à frente nos desse tanto, mas tanto daquilo que vamos perder. Os minutos aí passam tão depressa...só mais 5 minutos, só mais um abraço, só cheirar o teu perfume mais uma vez...

Por vezes são partidas por breves semanas ou meses...mas depois há aquelas partidas das nossas pessoas que vão para o outro lado do mundo e dizem..."Mas a gente vai voltar a estar juntos...vais ver...Pro ano eu volto..." ...quando tanto eu como eles sabemos que isso é mais que pouco provável. Há muitos anos fui até Itália...conheci gente boa...muito boa...daquelas que se tornam "minhas pessoas"...e prometi voltar...quem sabe todos os anos...Nunca mais voltei...A vida troca-nos as voltas e as viagens...

Mas aquelas que doem mesmo a sério é quando parte alguém ,que sabemos ,de forma definitiva...Há sempre tanta coisa que ficou por dizer, porque somos mais teimosos que mulas e pensamos que iremos ter "toda a vida e mais seis meses" para dizer tudo aquilo que agora está aqui atravessado na garganta...Ingênuos que nós somos. 

Ficamos a sentir que nos falta uma parte...algum espaço dentro de nós que nunca mais vai ter alguém para ocupar...o medo de voltar a ter alguém que preencha esse vazio, porque também essas pessoas vão partir um dia e repetimos a dor que temos e que parece não apaziguar com nada...Acho que nunca mais conseguimos ser os mesmos...eu não consegui.

Impotente ...é como eu me sinto...quando alguém não consegue lutar mais pela vida...perante doenças que matam...e eu bem quero agarrá-la e não deixar ir...porque me faz falta, porque é parte de mim, porque prometemos ficar juntas até ao fim dos tempos....e afinal o tempo dela chegou primeiro que eu e eu não sei lidar com isto...Partidas...não gosto...

Mesmo quando a idade é muita...mesmo quando as forças escasseiam...egoisticamente pedimos que fiquem mais um pouco...como se fossem aqueles centímetros na zona de partidas do aeroporto...que nos vão dar mais força e alento.

...é uma viagem a nossa vida...e em cada estação e apeadeiro vão saindo companheiros...bocadinhos de nós...e...caramba...não me habituo a isto.


segunda-feira, 4 de junho de 2018

...livros...

...gosto do cheiro a livros...cadernos novos.... Às vezes até penso que se alguma vez tivesse um negócio, seria de certeza uma livraria/papelaria.

Em casa sempre houve livros...de todas as cores e tamanhos... Os livros do pai, a colecção do Camilo Castelo Branco...esses eram vermelhos, letras pequeninas...e tantos , tantos mais, que eu via o meu pai ler quando chegava do trabalho...os livros das irmãs mais velhas... os jornais "religiosamente" dobrados pelo meu irmão mais velho.

Quando começou a chegar a altura de ir para a escola comecei a tomar mais atenção...finalmente eu ia ter os meus "papeis", os "meus livros.

Os primeiros cadernos eram de duas linhas...e escrevíamos com canetas de tinta permanente. E eu não me dava muito bem com essas canetas que insistiam sempre em deitar tinta onde não deviam e deixavam me o dedo indicador cheio de tinta azul...e usávamos papel mata borrão...côr-de-rosa...que fazia a tinta secar mais depressa...Lembro-me de uma caneta que tive, com um aparo dourado e que por fora era côr-de-laranja... recordações...

A professora Dona Elsa...austera...exigente...mas que me achava muita gracinha, porque eu era espertalhona e faladora...Tão depressa me levava a sua casa para lanchar no intervalo da aula, como me dava umas boas reguadas se eu não acertasse com os cálculos da Matemática.....aii as contas....

Mandava-nos fazer cópias de letrinhas e pequeninos textos, com as letras todas dentro daquelas duas linhas...muito bem desenhadinhas...mas o meu nome começava com uma letra cheia de floreados e às vezes lá ia um risco pra fora " Oh menina...vamos lá repetir essa letra..."

No início dos anos lectivos lá íamos comprar uns caderninhos, os livros principais, e aquele cheiro aumentava a minha expectativa para mais um ano...tratava-os tão bem que no final do ano ainda pareciam que tinham sido pouco usados.

E outra brincadeira que fazíamos, os miúdos da nossa idade, era ir às livrarias ,antes do 7 de Outubro ,quando começavam as aulas , e pedirmos "horários".
Os "horários eram pequenos cartões com espaço para marcar as diferentes aulas e disciplinas que tinhamos ao longo do dia. Para quê que nós, putos da escola primária queríamos isso...Era só por ter...eram grátis...uns mais bonitos que outros...Mas eu gostava de ir, porque assim tinha desculpa para entrar na livraria e sentir aquele cheirinho do papel.

Quando comecei a ler bem, ia com a minha irmã à carrinha da Gulbenkian "requisitar" livros, que teríamos que devolver uma semana depois. Mais livros a entrar naquela casa...Parece que ouço a mãe a dizer, o que repetiria ao longo da vida, "Pra quê que queres mais livros...ainda não lestes os outros que tens ..."

E,mais velhinha,descobri o gosto pelas bibliotecas. A Biblioteca Municipal da cidade onde eu vivia...tantos livros, estantes tão altas, antigas...aí nem era só o cheiro a livros, mas também o cheiro a antigo, a velho. Até a bibliotecária não era lá muito nova,não. E sempre a mandar calar sempre que falavámos mais alto, enquanto fazíamos trabalhos de casa, ou pesquisávamos matérias para algum projecto (Havia vida antes do Google ). Por mim passava lá as tardes, mas a mãe não achava muita graça à ideia. 

E depois aquela biblioteca já não chegava e quando abriu outra na Universidade, lá fui eu inscrever-me e também passava lá algum tempo e os livros eram diferentes e havia janelas...e cheirava a "novo".

Aprendi a fazer dos livros o meu espaço de "evasão". Agarrava num e partia para outro lado...via novas pessoas...novas histórias...tantas horas de leitura...e o cheiro a livros...

As minhas pessoas gostam de livros...oferecem livros...partilham histórias...

Ainda hoje , quando me apetece "viajar" no tempo pego no meu livro de eleição...e leio outra vez. Tive que ler na escola e apaixonei-me pelo estilo, pelos locais, pelas pessoas...quando muitos não conseguiram ler uma só vez, eu perdi a conta às vezes que o li. Para mim, é sempre relaxante tomar um café ao final da tarde e conversar com o João da Ega...