segunda-feira, 21 de maio de 2018





 De mãos dadas


Uma das coisas de que tenho mais saudades é de levar os meus filhotes pequeninos pela mão. "Anda ... anda ver o mar...olha a onda ...foge,foge...". Tão pequeninos... ainda a tentar manter o equilibrio, que por vezes não era fácil.

Aquelas mãozinhas pequeninas, fofinhas que nos agarravam com tanta força, com medo de cair. Que saudades...

Quando eu era miúda, gostava imenso de ir ao mercado com a mãe.                                                    Dizíamos na altura "ir à praça". Eu gostava de me levantar cedo e ir com  a   mãe, no seu passo apressado, de mão dada com ela. E se largava  algum   momento , logo ouvia "Dá a mão à mãe para atravessar a rua.   Olha os carros, oh menina!!" Saudades de dar a mão à mãe...

É que "dar a mão" a alguém  é sentir segurança. Quando eu ia para a escola primária, eu era bem pequenina, e os meus olhos grandes e cabelo preto,  valeram-me por parte de uma das minhas irmãs a alcunha de "Mosquito". Mas eu ia sempre muito prazenteira, de mão dada com o meu pai, que ia trabalhar e me deixava na escola. Íamos a pé, que carros era para gente rica, e a pequena viagem durava pra aí uns 10 minutos, se tanto. Mas eu sentia me muito importante...o meu pai ia comigo, e ninguém se iria meter com um "Mosquito" com o pai ao lado.

 O meu pai, sempre pontual, sempre a andar no mesmo passo (às vezes eu saltitava para o acompanhar), ao fim de tantos filhos creio que já tinha perdido a paciência para mimos. Uma vez, no meu aniversário , o meu pai trouxe me uma prenda. Não era costume haver prendas, mas naquele ano o pai lembrou se e trouxe me uma. O meu entusiasmo desapareceu quando eu abri o embrulho...Lá dentro vinha um livro "grande", de capa feia, "O Malhadinhas"..."Oh pai, eu queria era um livro da Anita, pintado a aguarelas lindas e coloridas...as meninas lá da escola tinham a colecção inteirinha..." Pois, mas calhou me "O Malhadinhas". Coitado do meu pai...se calhar viu o meu desalento perante tal presente.  Quando me tornei adulta entendi muito bem. O meu pai tinha paixão por livros que era um luxo que não se podia ter. Dar me aquele livro era para ele uma coisa boa, um investimento na minha cultura geral, era o melhor que ele podia e sabia fazer. As crianças são injustas por vezes.

Quando a filhota nasceu, tive que aprender a dar a mão...a segurar com firmeza, sem magoar. A fazê -la sentir se segura...tal como o "Mosquito". Ao nascer o filhote eu já sabia todas as maneiras de dar a mão. A frase "Não se atravessa a rua sem dar a mão!!" voltou a aparecer no meu mundo, mas desta vez era eu que a dizia. Caminhava devagarinho, à velocidade deles...ajudava a descer o passeio, a passear no jardim...tão bom.

De quando em vez vejo pais a darem a mão a filhos mais velhos...muito mais velhos...e isso não será já tão normal. Significa que os filhos continuam a precisar de ajuda para o equilibrio, para a segurança, para a confiança que deveriam já ter. Ou vejo filhos a darem a mão a pais mais velhinhos...a ajustarem o passo aos passinhos que ainda dão...com paciência...e o ciclo volta ao início.

Dar a mão é dar segurança, mas é também dar auxílio quando alguém está prestes a cair, quando alguém tem medo e mais do que com palavras dizemos "Estou aqui contigo...estás seguro...não estás sózinho".

Dar a mão é "amor aos bocadinhos"...é sentirmo-nos nas nuvens quando damos a mão ao namorado pela primeira vez, quando desfilamos pela igreja quando casamos, quando corremos pela praia e sentimos os salpicos na cara...e acabamos por rir...de mão dada.


       

segunda-feira, 14 de maio de 2018

...ninguém me disse...




Éramos muitos lá em casa..e como tal aprendi a ver a mãe a comprar tudo em quantidades grandes, a cozinhar grandes panelas de sopa, ou grandes tachos de outra comidinha boa. Claro que ,quando casei, o que eu sabia cozinhar era em quantidade...e por isso andávamos a comer a mesma coisa durante dias para não se estragar. Ninguém me disse que seria assim...

Fazer compras era outra aventura...habituada que estava a comprar 5 pacotes disto e mais 5 litros daquilo, 10 de uma coisa e 7 de outra...custou me habituar a comprar 1 ou 2 embalagens de cada...Éramos 2, não 11. Também ninguém me disse que isso iria acontecer.

Ninguém me disse que estudar fora de casa, em regime de internato, seria tão complicado como foi. Partilhar quarto com pessoas de culturas  e educação diferentes não me foi fácil. Estar longe da família, da casa foi muitas vezes regado com lágrimas. Não havia net... o telefone era bem pago e as viagens não eram baratas para quem não ganhava nada.

Ninguém me disse que os namoros eram difíceis...que nem todos os dias recebíamos flores, que não respirávamos corações como nos desenhos animados, nem suspirávamos sempre que olhávamos um para o outro como nos filmes.

Também ninguém me disse que o casamento não era um completo romance 24 sobre 7 , que por vezes havia dias maus, que eu tinha que fazer cedências, andar até meio do caminho...porque eu acreditava que comigo seria diferente.

E quando vieram os filhos, também não sabia que havia um explodir de amor por outra criaturinha, que nos apaixonaríamos por aquele ser que nunca antes tinhamos visto, que era tão bom sentir aqueles pontapés e pequeninos empurrões dentro da barriga. Nunca me tinham dito.

E quando as coisas não sucederam como nos contos de fadas, também ninguém me disse que continuaria a lutar, com as forças que surgiram sei lá de onde, que continuaria a amar para além das limitações, dos desaires, das desilusões, que eu seria capaz...e fui.

E quando toda a gente dizia como eu havia de cuidar dos meus filhotes, apesar de todas as "mézinhas que me disseram que devia usar, de todas as comidinhas que eu deveria dar, de todos os choros que eu devia deixar chorar...aí eu não precisei que me dissessem mais nada...eu e só eu sabia o que havia de fazer, de amar , de cuidar, de dar colo. O colo era meu...e só meu...e não me arrependo de nem um minuto sequer em que abracei os meus filhos .  Nunca vou esquecer a mãozinha em cima do meu peito, os dedinhos a enrolarem se nos meus cabelos, o respirar fundo quando os apertava contra mim.

Há coisas que não precisamos que nos digam,porque há coisas que só nós sabemos...e sentimos...e passamos na pele.  Lembro me da minha mãe, de como tantas vezes ela dizia "Oh filha, a mãe não tem fome. Já comi esta sopa toda, vês ? " E eu, criança, acreditava ...depois questionava me porque é que a mãe "perdia o apetite" sempre a seguir à sopa...Até que uma dia eu também disse à minha filha a mesma coisa "A mãe não tem fome...vês ? Já comi tanta sopa."...e aí já não precisei que me dissessem o porquê da resposta da minha mãe.

Não é preciso dizerem-nos tudo...a vida encarregar-se-à disso.


quarta-feira, 9 de maio de 2018

...ainda bem que nasceste...



...fiz anos há poucos dias...foi um dia de sol, cheio de mimos, em que muitas pessoas usaram redes sociais e telemoveis para demonstrarem o seu carinho para comigo. Houve no entanto uma pequena mensagem que me emocionou...Nela alguém escrevia ..."estou tão feliz por teres nascido..." e outras coisas mais.

Mas esta pequena expressão, fez me ficar muito feliz. Eu sei que não é nada demais...tal como tudo aquilo que eu valorizo...as pequenas coisas e gestos. Mas fez me pensar se alguma vez eu disse isso a alguém...e se não disse, talvez deveria ter dito.

Nasci numa familia grande...claro que os meus pais devem ter ficado muito felizes por eu ter nascido, (acho eu :)  ) mas penso muitas vezes que a gravidez não deve ter sido planeada...eram outros tempos Não sei se por isso eu nunca me achei especial, sempre me achei uma entre muitos. 

Talvez seja por isso que eu cada vez mais acho que se deveria ao menos uma vez por ano, lembrar as pessoas que são queridas (não "fofinhas" e tal...), que estamos felizes porque nasceram, porque existem, porque estão na nossa vida.

Uma vez por ano...o dia do aniversário...devia ser um dia festivo...mesmo que não houvesse festa nenhuma

Não me lembro de ter festas de aniversário...aos meus filhos tentei que elas não faltassem, dentro daquilo que podia e enquanto eles as valorizavam....

Hoje em dia, festa em que não hajam insufláveis, prendinhas para os convidados, meninas muito lindas a pintar as caras dos meninos...já não são festas. O valor das coisas sobrepôs-se ao valor das pessoas em si.  No meio de tanta barafunda e confusão os miúdos nem sabem o que estão a celebrar de verdade...querem é as prendas.

Talvez um dia aprendam que o que tem mesmo valor é alguém nos dizer "ainda bem que nasceste...", "tu és importante para mim", ..."fazes me bem...". 

Eu estou a esforçar me por dizer isto mais vezes...e tenho-o feito...dizer "eu admiro te...tu és importante para mim...inspiras me..." são pequenos termos que podem alegrar a vida de alguém que está triste, que lhes pode dar o sol num dia de chuva.

Se ao menos entendêssemos que precisamos tanto uns dos outros...