sexta-feira, 9 de novembro de 2018








O PARTO



...estava um calor daqueles que nem dá para dormir a sério..."É melhor levantar-me...também já nem tenho posição para estar..." ...e preguiçosamente levantou se da cama e dirigiu-se à casa de banho. " Bolas...já nem consigo ver os pés...um duche, sim , um duche vai dar me algum ânimozinho extra..."
Na cama ele perguntou qualquer coisa do tipo "Precisas de alguma coisa...", ao que ela respondeu "Não...deixa te estar...ainda me mexo. "

Enquanto a àgua corria pelo corpo , ela pensava nas tarefas do dia...no que ainda tinha que fazer antes que o bébé decidisse chegar..."Já falta tão pouco...acho que ainda me falta qualquer coisa na mala do hospital. Não faz mal, vou à farmácia aqui em baixo...assim que tomar o pequeno almoço. Que fome..."

Vestiu um vestidinho leve, que o calor não permitia mais nada...e desceu as escadas. "Vou comprar um pão fresco e alguma fruta. Vou à farmácia depois".  Na mercearia em frente da casa estavam lá as vizinhas do costume..."Então? Está quase...que barriguinha jeitosa...e taõ descida..." Ela sorria e acenava em concordância.  Não chegou a escolher as maçãs nem a comprar o pão....sentiu se muito molhada e uma sensação meia desconfortável que escorria por ela abaixo.   Pousou o saco e disse à Dona Maria "Desculpe, tenho que voltar depois."

Subiu as escadas degrau a degrau lentamente..."Acho que vou molhar isto tudo....." e entrou em casa..."Amor...acho que é melhor despachares-te...temos que ir embora....."  Ele ainda nem estava bem acordado ...mas apareceu junto dela , meio despenteado, com os olhos esbugalhados "Ainda tenho tempo de tomar um duche ?"...ela sorriu "Claro que tens, vai lá...."

Apesar de o hospital ser muito perto, parece que a viagem era longa...ele conduzia com cuidado para não haver muitos solavancos...e ela ria...podes ter calma, não faz mal uns saltinhos...."

Que pena ter sido em Agosto....metade do pessoal do hospital lembrou se de estar de férias e o médico de serviço, que não devia nada à simpatia, debitava informação que ela já sabia de cor....
lá colocou a mão e disse "Este bébé está sentado...temos que fazer cesariana...."...Nessa altura já ela soprava as velas todas que se lembrou...e aquelas que nem se lembrava. Meteram numa sala...sózinha...e a enfermeira disse que já voltava. Pois não voltou...só muito tempo depois apareceu...já ela não tinha "velas para soprar" e a criança continuava a descer e a tentar sair. "Ahhh, disse a enfermeira...temos que ir já para o bloco."

"Que bom" pensou ela " finalmente vão fazer alguma coisa de útil"...Mas a viagem até ao bloco teve as suas peripécias...a maca não podia sair daquele piso, e o pobre do funcionário que a empurrava disse lhe..."Veja lá quando consegue passar para a outra maca...aproveite em quanto a dôr vem e não vem..." E num intervalo entre contrações lá ela trocou de maca... "Aiiii...isto está a doer muito...mas eu não sou de fazer fitas....aguenta, aguenta...está quase...."

"Boa!! Cheguei ao bloco..." mas de repente apercebeu se da conversa entre enfermeiros..."Coitada" diziam eles " tem que esperar, o anestesista foi tomar café!!"   "não, não, não..." pensou ela "esperar o quê...a bébé quer sair...não pode ser...isto não me está a acontecer..."  Ela não sabia bem quanto tempo estava a passar, mas entretanto o anestesista dignou se a aparecer e lá começou a contagem....10...9....8...zzzzzzzz

Acordou num quarto a meia luz...ninguém por perto...sentia se dorida, desorientada...sentia adesivos na barriga que estava mais pequena...não viu nenhum berço, não ouvia bébés a chorar...Por momentos pensou que estava noutro filme...a sonhar talvez. Apareceu alguém a quem perguntou :"A minha filha? Está tudo bem com a bébé? Não a posso ver ? " Já a vamos buscar"...e mais nada...Nessa altura pensou tudo..."Mas já a vão buscar?? Mas o que se passou com ela ? Estão a esconder-me alguma coisa??" O que tinha começado como um sonho bom estava a tornar se numa espécie de pesadelo, de uma outra realidade... "Mas o que aconteceu?"

Ainda decorreu muito tempo até que trouxessem o bébé...pequenina...redondinha (mesmo redondinha...diziam ser da posição pélvica, mas que os ossos retomariam o seu jeito normal)...linda...linda...Percebeu nesse instante que a sua vida nunca mais seria a mesma...Aquela pessoinha estava ali...seria sempre uma parte dela. "Meu Deus" pensou "como é que consegui esta obra de arte? Tanta perfeição...dez dedinhos nas mãos...dez dedinhos nos pés...que boquinha linda."
Sentia-se cansada...mas a enfermeira colocou o bébé ao peito...e ela começou logo a mamar e a mamar bem. "Que bom...é minha filha..."

Passadas algumas horas a enfermeira disse lhe que tinha que se levantar e ir para o quarto da enfermaria. "Tudo bem...vou tentar. Não deve ser muito dificil. Mas não me trazem uma camisa de noite ? Estou pra aqui só eu e as ligaduras. Este hospital é estranho...." A enfermeira disse lhe que se enrolasse num lençol, porque o quarto era já ali...e podia também segurar o suporte com o soro...e tinha que ir a andar bem e o mais direita possivel. Ela achou que era alguma piada. Como é que se podia ir direita quando os adesivos estavam ali a apertá-la...e com uma mão tinha que segurar o lençol , e na outra mão o suporte do soro.

Também aqui pensou que estava nalgum filme estranho...quando deu por si estava no corredor das consultas, a ir com a enfermeira ao lado para a tal enfermaria, qual Estatua da Liberdade...a passar no meio dos outros doentes. "Eu devo estar a delirar...foi da anestesia...isto não está a acontecer..."  Mas estava e foi a viagem mais penosa que fez por aqueles corredores.

3 dias foi a duração da estadia...tudo o que  podia acontecer de errado aconteceu...mas saiu de lá bem mais rica do que quando entrou. A novidade da maternidade foi alguma coisa fascinante e terrivel. As dores no peito...a cicatriz que não fechou...e a bébé que chorava a plenos pulmões...dia e noite. Ela e ele a aprender intensivamente o que fazer com aquele ser tão pequenino, mas pelo qual daríam a vida se necessário. As lágrimas choradas ...os sorrisos que se deram ...as descobertas de cada dia tornaram o que já era lindo numa coisa muito melhor.

Tudo isto é ficção...a realidade doeu muito mais.