sábado, 27 de outubro de 2018







CHEIROS E RECORDAÇÕES....


A mãe trazia sempre na mala de mão um lencinho de pano. Salpicava-o sempre com umas gotinhas do seu perfume...e tudo o que saía daquela mala cheirava tão bem. Não sei como se foi lembrar de semelhante coisa...nunca vi ninguém a fazer isso, nem voltei a ver...o que é certo é que aquele cheirinho trazia conforto. Quando ela foi embora, eu fiquei com a mala. Ainda lá tinha um lencinho que cheirava a mãe...e que guardei vários anos ( e onde às vezes ia buscar um colo) até que perdeu o cheiro. Aquilo que era o conforto , passou a ser somente uma coisa que lhe tinha pertencido, como tantas outras.

O meu bouquet de casamento, feito pelas mãos habilidosas da Maria Manta, cheirava tão, mas tão bem. Aquelas rosas amarelas tinham um cheiro inconfundível. Guardei o bouquet religiosamente...mas devo ter feito qualquer coisa mal, porque se a intenção era secá-lo e conservá-lo bonito, isso não aconteceu. Perdeu o cheiro, e ficou feio...e não quis guardar aquela "coisa" que me lembrava por um lado o meu dia feliz, mas que, agora naquele estado, não me acrescentava felicidade nenhuma. 

Há dias deram me um bolo...uma especialidade que era perfumada com flor de laranjeira. Quando abri a caixa voltei à escola primária ....tão bom ...A mãe dava me uma colher de sopa de àgua de flôr de laranjeira sempre que eu ia ter uma prova na escola. Vinha num frasco castanho de vidro, que eu comprava na farmácia do bairro...a farmácia do pai do Mário Viegas (que eu nem sabia que havia de ficar famoso ). Era suposto servir de calmante para o nervosismo de ir fazer uma prova...não sei se funcionava mesmo, ou nem fazia nada...mas só o tomar fazia efeito . Que recordação tão boa...que cheiro tão agradável.

A roupa que a mãe lavava no tanque tinha sempre um cheirinho tão bom. Não havia cá amaciadores de roupa...havia sabão Clarim (e às vezes Migo) e a mãe esfregava a roupa na pedra do tanque e lavava e lavava e a roupa ficava tão cheirosa...

Mais ou menos em Setembro , a mãe fazia doce de tomate. Naquela casa não havia canto nenhum em que o cheiro do doce da mãe não penetrasse. Era sempre um dia inteiro com a mãe à volta do tacho, que salpicava tudo e fazia "bolhas" lá dentro...como se de uma poção mágica se tratasse. E devia ser mesmo mágica, porque desaparecia em três tempos a enorme quantidade de doce que a mãe fazia. Ainda hoje quando faço o famoso doce , a minha casa cheira à casa da mãe...a saudade é uma saudade doce, com um travo a pau de canela.

O mar...por mais que tenham opiniões diferentes, para mim o mar tem o cheiro mais agradável e mais refrescante que eu conheço. Lembra-me dias de sol e brincadeiras na areia...lembra me os meninos a chapinharem no mar...lembra me passeios românticos...lembra me que há sempre algo novo que pode acontecer...uma nova onda, uma nova maré. O mar traz me saudades boas, com cheiro a maresia.

O homem já inventou tudo...menos como ter o cheiro daqueles com quem falamos à distância...Ouvimos a voz...vemos o olhar...mas o cheiro...Por isso ,de vez em quando, cheiro o perfume de quem não está comigo. Fecho os olhos, e ele está mesmo ali...

Os cheiros, os aromas que cada um tem e escolhe, fazem parte das nossas recordações...e podem ser tão boas.

Um comentário:

  1. Olha ainda hoje me lembrei do cheiro do perfume da mãe e do seu lencinho na carteira. Na Arábia comprei um frasco de água de flor de laranjeira só para o cheirar quando me sentia mais triste. E Outubro não é Outubro sem o cheiro ao doce de tomate da mãe e que tu sabes reproduzir tão bem...

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